A Imagem da Rua


Uma imagem nunca é apenas um recorte, uma redução. Não é apenas um enquadramento, um ângulo. Uma imagem não é nem mesmo a ótica do fotógrafo, a sensibilidade. Mesmo sendo tudo isso. A imagem é o novo.
A fotografia é uma porta. Uma porta que oferece ao olho desejoso, novas formas de vida, novas possibilidades de ver.
Assim como o pensamento, ver é bem mais que observar a paisagem, um rosto, uma cena. Ver é corrermos o risco de buscar os vários sentidos da imagem. Ver é atravessar as imagens, produzir novas visões. Visagens de uma nova realidade. A realidade da imagem. A criação.
E nesses últimos dias eu e as colegas Fernanda Botelho, Tatiana Pastorini, e Lucilene Barbosa; respectivamente professoras de Arte, História e Matemática, inspirados por ares quixotescos, de câmeras na mão e vários projetos na cabeça, resolvemos captar um pouco do corpo e da alma das ruas e das pessoas que de alguma forma chegam e saem da nossa Escola Municipal Getúlio Vargas.
Cada um, munido de uma câmera e de sorrisos quase adolescentes – o trabalho de campo faz isso. A pé. Fomos através da fotografia, cartografando os bairros próximos da escola. Recriando ruas, pessoas, caminhos.
A novidade logo se espalhou e as crianças curiosas, caminhando tímidas, se aproximavam para fotos cheias de sentido e verdades. Não a verdade que se espera única. A grande verdade. Mas a verdade da foto. A verdade do instante. Do momento eternizado. Do tempo em pausa. Da vida cotidiana.
A foto recriava e largava novas luzes nas casas e nas ruas. E a beleza surgia a cada flash, a cada tomada que se fazia.
E o véu do que parecia insignificante era retirado, e percebíamos nos mínimos detalhes simetrias, cores, formas, luzes, tamanhos, ângulos ainda não pensados ou vistos.
As pernas doíam, mas era gratificante. A imagem falava. Tinha seu discurso. E se comunicava. Pedia o diálogo com nossas lentes, com nossos olhos. Com nossas crenças.
Não estávamos ali para representar. Era criação. Já não eram apenas os bairros, mas eram os nossos bairros. Os bairros de nossa criação. As casas de nossos sonhos, as cores dos nossos delírios. Os sorrisos da nossa alma.
 O que queremos com isso?
O que querem os discursos? O que desejam as palavras? O que exigem os verbos?
Queremos ser ouvidos. Pela imagem. Ouvidos pelos olhos. Nosso discurso se produz através da geografia das ruas, da estética das casas e da ausência destas. Pelos espaços dos corpos que se configuram, se aglutinam e se afastam. Pelos espaços do silêncio. Dos vazios. Mas também pelas cores e luzes que se metamorfoseiam em pedras, calçadas, casas, ruas, portões, árvores, flores, animais, pessoas.
Conhecer. Ver. Sentir. As ruas. Recriar as ruas, os sentimentos. Re-conhecer. Novamente ver os caminhos que nos compõe. Entender nossas escolhas. Nossos espaços. Nossos vazios.
A rua é mágica. A rua faz mágica.  E somos todos seus aprendizes.
Caminhar percebendo a rua, sentindo a rua é como caminhar dentro de nossas perspectivas, andar e reconhecer o que somos. Como somos e talvez o que nos tornaremos.
Entender a rua. Recriá-la, é também uma possibilidade de re-criarmos nossos conceitos, nossas verdades.
A imagem da rua na fotografia é um caminho outro que nos faz andar para dentro de nós mesmos. Pensar nossa existência através do outro. Exercício de alteridade necessário a todos.

Ronie Von Rosa Martins



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